A empresária angolana Isabel dos Santos afirma que o arresto de contas bancárias pessoais e das empresas que tem em Portugal está a impedir o pagamento de salários, a fornecedores e impostos, alertando para as consequências.
Em comunicado, a empresária refere que “contrariamente ao que aconteceu em Angola”, com o arresto decretado no final de Dezembro pelo Tribunal de Luanda, em Portugal a “justiça entendeu arrestar e congelar contas bancárias, bloqueando todo e qualquer movimento”. A situação, prossegue o comunicado, está a ter consequências na gestão das empresas, segundo Isabel dos Santos.
“Impedindo o funcionamento operacional e normal de qualquer organização, nomeadamente no cabal cumprimento das suas obrigações de pagar a trabalhadores, à Autoridade Tributária, Segurança Social e fornecedores, não podendo ser imputado às administrações das empresas responsabilidades criminais ou outras por falhas de tais pagamentos, já que as mesmas, a ocorrer, não se devem à sua vontade, mas sim ao congelamento das contas bancárias”, lê-se.
Para a empresária angolana, a situação representa “um sério risco de destruição de valor para todos os ‘stakeholders’” das empresas em que tem participação em Portugal.
O Ministério Público requereu o arresto de contas bancárias da empresária Isabel dos Santos, “no âmbito de pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas”, confirmou em 11 de Fevereiro a Procuradoria-Geral da República portuguesa.
Isabel dos Santos é suspeita de gestão danosa e evasão fiscal num processo que está a ser investigado em Angola e envolve uma transferência de vários milhões de dólares.
Em Dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, o congolês Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além de nove empresas nas quais a empresária detém participações sociais, por alegados negócios privados que terão lesado o Estado angolano.
No comunicado, Isabel dos Santos defende tratar-se de uma “situação inexplicável”, com um “infundado arresto às diversas contas bancárias pessoais e das empresas em Portugal”, entretanto alvo de um pedido de impugnação por parte dos advogados da empresária, mas que “na prática está a impedir a movimentação das mesmas nos diversos bancos”.
A empresária defende que em Angola, “os arrestos não impediram o pagamento de salários, a fornecedores, impostos e Segurança Social”, contrariamente ao que diz estar a acontecer em Portugal.
“As empresas que detenho e trabalham em Portugal estão todas registadas no espaço Europeu não sendo nenhuma destas empresas offshore, e estão devidamente capitalizadas, auditadas e operam nos termos mais estritos da lei”, insiste Isabel dos Santos, acrescentando que até ao final de 2019 “nenhuma das empresas devia um euro em salários, impostos ou Segurança Social”.
“Esta realidade passará naturalmente a ser outra”, alerta a empresária angolana, acrescentando que “tudo” está a fazer para continuar a cumprir com os parceiros financeiros, com todos os trabalhadores e “ainda perante o Estado naquelas que são as obrigações fiscais e contribuições sociais”.
“É por conseguinte, e face ao exposto, de capital importância as empresas poderem retomar a operar com toda a normalidade para que possam cumprir como lhes é exigido com todas as suas obrigações com todos os seus “stakeholders” e todos os seus trabalhadores”, conclui Isabel dos Santos no comunicado.
Afinal onde é que Isabel dos Santos se financiou?
Isabel dos Santos tem uma dívida de mais de 500 milhões de euros a bancos portugueses, no âmbito de créditos que solicitou para investir em vários negócios em Portugal, nomeadamente na Efacec, no BPI e na Zon. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Banco Comercial Português (BCP) lideram os empréstimos concedidos à angolana.
A Banca portuguesa concedeu, entre 2009 e 2015, empréstimos de 420 milhões de euros a Isabel dos Santos para a compra de acções do BPI, da Zon e da Efacec, conforme dados apurados pelo Correio da Manhã.
O BCP e a CGD surgem à cabeça, detendo a maioria dos empréstimos concedidos à empresária, respectivamente com mais de 172 milhões de euros e cerca de 148 milhões de euros.
O Novo Banco e o Montepio Geral terão também concedido empréstimos de 40 milhões de euros e de 34 milhões de euros, respectivamente, a Isabel dos Santos para a compra da Efacec numa altura em que esta empresa estava em falência técnica. A empresária já terá pago 66,5 milhões de euros destes créditos. No total, Isabel dos Santos já terá pago 306 milhões de euros à Banca.
Por sua vez o Expresso adianta que Isabel dos Santos ainda deve 570 milhões de euros a bancos portugueses. Esta quantia avultada terá levado o Banco de Portugal (BdP) a solicitar aos bancos e aos auditores uma avaliação de todos os financiamentos concedidos à empresária, nomeadamente para aferir se estão todos “cobertos por imparidades”.
O semanário nota que há três bancos que “concentram a maior parte da dívida” e realça que o BdP solicitou uma actualização dos números a todas as entidades financeiras envolvidas.
O objectivo é aferir o grau de exposição da banca portuguesa às dívidas de Isabel dos Santos, numa altura em que ela está a ser investigada pela justiça angolana, no âmbito do Luanda Leaks”, e quando tem as suas contas bancárias, em Portugal e em Angola, arrestadas.
Um dos bancos com a situação mais delicada é o EuroBic, onde Isabel dos Santos tem uma participação maioritária e que está em processo de venda ao Abanca de Espanha. Neste caso, o BdP apelou ao Conselho Fiscal do EuroBic para analisar os empréstimos concedidos a empresas da Angola, para aferir do “grau de adequação dos procedimentos seguidos pelo banco nas operações em causa”, como aponta o Expresso.
No EuroBic também está a decorrer “uma monitorização especial da evolução dos depósitos” de contas de Isabel dos Santos e de pessoas que lhe são próximas, nomeadamente do marido Sindika Dokolo, para apurar eventuais transferências suspeitas.
A guerra continua, diz o BE
Entretanto o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou um requerimento para o Governador do Banco de Portugal ser ouvido com carácter de urgência na Assembleia da República. Este foi aprovado por unanimidade. O assunto é a anunciada venda da participação de Isabel dos Santos no Eurobic.
No âmbito dos Luanda Leaks foi revelado “um esquema de ocultação, desvio de fundos e branqueamento de capitais, nomeadamente através das contas da Sonangol no EuroBic”. Isto para além de terem sido confirmadas as “denúncias reiteradas da forma como Isabel dos Santos acumulou uma fortuna a partir do financiamento público e da exploração de empresas estatais angolanas, proporcionados pelo poder político do seu pai, José Eduardo dos Santos”.
No requerimento assinado por Mariana Mortágua assinala-se que o próprio banco comunicou, depois disso, ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal e à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária a existência de operações suspeitas e que, no seguimento, a justiça portuguesa determinou o arresto das contas bancárias de Isabel dos Santos e das suas empresas.
Só que as participações financeiras no Eurobic não foram arrestadas pelo que a posição de Isabel dos Santos neste banco já tem como comprador o Abanca. O BE considera que “se esta venda se concretizar, a participação no Eurobic adquirida por Isabel dos Santos com fundos de origem potencialmente ilegítima poderá ser transformada em liquidez, sem garantia de que essas receitas sejam rastreadas e impedida a sua integração na fortuna pessoal de Isabel dos Santos”.
O BE realça assim as responsabilidades do Banco de Portugal nesta matéria: “Cabe ao Banco de Portugal, ao decidir sobre a autorização de venda, analisar se esta operação é susceptível de configurar a prática de branqueamento de capitais”, podendo suspender a venda “se, em simultâneo, estiver a decorrer um processo de investigação às práticas do Eurobic pelo Departamento de Acção Sancionatória”.
No requerimento considera-se assim “imperativo que o Banco de Portugal esclareça o acompanhamento que estará a fazer às actividades financeiras relacionadas com Isabel dos Santos em Portugal”. O BE quer o que pretende fazer a instituição quanto ao apuramento de todas as responsabilidades nas falhas no sistema de prevenção do branqueamento de capitais do Eurobic, à avaliação da idoneidade dos accionistas e órgãos de administração do Eurobic no período que antecedeu a divulgação pública do caso Luanda Leaks e à avaliação da operação de venda da participação de Isabel dos Santos no EuroBic, quanto à idoneidade de todos os envolvidos e aos potenciais riscos da operação em matéria de branqueamento de capitais e/ou de obstrução da justiça.